21 Abril, Sexta-feira

AS PENÉLOPES

© Bairro dos Livros

O projeto artístico AS PENÉLOPES nasce de uma parceria entre o Município da Póvoa de Varzim e o Bairro dos Livros, no âmbito da 22.ª edição do festival literário Correntes d’Escritas, o qual originou uma edição e uma instalação artística. O livro reúne textos literários originais de um conjunto de doze autoras desafiadas a escrever a partir da figura de Penélope e do património da comunidade piscatória da Póvoa de Varzim, para fazer uma homenagem ao Feminino. Colocando a Literatura e a arte do Bordado em diálogo, foi projetada uma instalação contemporânea criada com camisolas poveiras que interpretam as várias histórias publicadas nesta edição. O bordado usado na instalação AS PENÉLOPES, executado pelas tricotadeiras do Grupo de Amigos do Museu de Etnografia e História da Póvoa do Varzim, conjuga os tradicionais símbolos do padrão típico da Póvoa de Varzim com imagens retiradas dos textos originais escritos para esta obra.

O projeto mereceu a distinção internacional European Heritage Days, tendo sido seleccionado em 2022 como uma das vinte melhores histórias europeias

Museu da Ciência
18h00 Inauguração seguida de conversa com as autoras do projecto e escritoras convidadas: Manuela Costa Ribeiro, Raquel Patriarca, Cláudia Lucas Chéu e Rosa Alice Branco.

Até 28 de Maio
09H00 - 13H00 | 14H00 - 17H00 Segunda a Domingo
Entrada livre


O projeto artístico colaborativo do Bairro dos Livros faz dialogar a Literatura com a arte do Bordado, numa instalação contemporânea criada com camisolas poveiras que interpretam as várias histórias publicadas nesta edição. Já não o sudário de Penélope grega para Laertes, mas aquelas camisolas que Rosa Pomar definiu como uma das “mais icónicas do repertório dos trajes regionais portugueses” que haviam caído em desuso na comunidade de pescadores no final do século XIX, fruto do luto instituído precisamente após o grande naufrágio, e recuperadas, em 1936, para os trajes do rancho folclórico. Se Daniel Faria tão maravilhosamente poetou que “a mulher é o tear da vida”, é Maria Lamas que dá a ver ao leitor o maravilhoso contraste: “elas vestindo de escuro, como qualquer mulher pobre, sem a menor preocupação de arranjo (…); eles exibindo as suas grossas camisolas de lã branca, caprichosamente bordadas a cores sem limite de fantasia nos desenhos - flores, peixes, corações, signos e tudo o mais que possa ter, para eles, um sentido simbólico.” As camisolas poveiras, decoradas pelas noivas, irmãs ou mães dos pescadores, são um lugar de dedicatórias codificadas de afeto, além de um símbolo de pertença a essa comunidade.

Era preciso navegar de novo nesta história, mas antes partir do novelo de Penélope na Odisseia, quando explica ao mendigo - que era afinal Ulisses regressado - porque razão lhe reconheceria, em qualquer parte do mundo, os trajes - “fui eu própria que lhe dei as roupas de que falas; fui eu que as dobrei e trouxe do tálamo” - para atracar numa neo-Penélope de Ana Hatherly, uma que “Não tece a tela/ Não fia o fio/ Não espera por nenhum Ulisses”. Ei-la, pois, pelas doze vozes de Ana Luísa Amaral, Cláudia Lucas Chéu, Gisela Casimiro, Inês Cardoso, Isabel de Sá, Luísa Monteiro, Márcia, Margarida Vale de Gato, Manuela Costa Ribeiro, Patrícia Portela, Raquel Patriarca e Rosa Alice Branco.

Nós, AS PENÉLOPES, aproximamo-nos cuidadosamente da paisagem e olhamos de volta para o interior da casa, para as tantas redes que se lançam ao caminho, para as madeiras estendidas na praia. Encontramos as marcas de uma tal de “heráldica dos pobres”, essa escrita do poveiro que está em todos os objetos e instrumentos marítimos - aprestos que, esses sim, duram uma vida inteira, já que aos santos é preciso rezar de todas as vezes pela proteção divina. As marcas funcionavam como um registo de propriedade, uma herança transmitida desde tempos imemoriais, um pique de cada vez, para formar cruzes, grades e estrelas. São símbolos que assinam a promessa de voltar e que, exatamente por falarem do que regressa, dizem também do que fica na sua ausência. Numa comunidade em que os preceitos de comunhão e auxílio estão profundamente cosidos no tecido da população, o socorro é sempre grito e coração ao alto, como remo, a sinalizar o salvamento. A heroicidade dos homens só comparável à voragem da corrente. Mas o areal todo ele rede, peixe re- partido, lenço na proa, saias e enxoval - coisa digna de se dar o alerta: “Mulher ao mar”.

O bordado usado na instalação AS PENÉLOPES conjuga os tradicionais símbolos do padrão típico da Póvoa de Varzim com imagens retiradas dos textos originais escritos para esta obra. A curadoria dos símbolos, por Raquel Patriarca, passou para a mão das tricotadeiras do Grupo de Amigos do Museu de Etnografia e História da Póvoa de Varzim. Para as camisolas poveiras da instalação criou-se um símbolo comum, a partir da imagem da Lançadeira, uma referência ao instrumento que permitia a Penélope construir e desmanchar o destino, e também à caneta, necessária ao ofício da escrita.

Durante janeiro e fevereiro de 2021, este projeto fez nascer uma comunidade feita de mais de duas dezenas de mulheres, tecida com comunicações virtuais mas muito real na sua ligação criativa, assente num objetivo comum - o de escrever a partir do ponto de vista de quem borda e bordar partindo do olhar de quem escreve. A instalação artística do Bairro dos Livros desconstrói visualmente temas reconhecíveis da paisagem e identidade da Póvoa de Varzim, como a faina, os pescadores, a viagem, os barcos e as próprias bordadeiras, numa abordagem contemporânea e feminina às artes e tradições locais. Nós, AS PENÉLOPES, amamos, choramos, tecemos, desfazemos, aguardamos. Seremos só esse início improvável da corrente, unidas pela ponta do novelo, num farol em Ítaca. De olhos postos no horizonte azul, lembramos impacientes que “A maçã/ É para ser comida”, como disse, uma vez, Ana Hatherly.

Coordenação geral do projeto Manuela Costa Ribeiro

© Bairro Dos Livros

INSTALAÇÃO
© Bairro Dos Livros

Direção artística: Catarina Rocha e Minês Castanheira
Produção: Isabel Costa e Susana OliveiraFotografia e Vídeo: Carlos Oliveira
Camisola Poveira
Curadoria dos símbolos: Raquel Patriarca
Composição e desenho: ©Bairro dos Livros
Coordenação da produção: Carmen Flores e Deolinda Carneiro
Direção artística: Catarina Rocha e Minês Castanheira
Produção: Isabel Costa e Susana Oliveira
Fotografia e Vídeo: Carlos Oliveira

© Bairro dos Livros

Artesãs:

  • Alice Lagoela
  • Desidéria Sousa
  • Emília Costa
  • Eugénia Gonçalves
  • Fátima Araújo
  • Felicidade Gonçalves
  • Graça Moça
  • Lurdes Cruz
  • Laura Gonçalves
  • Ma Dores Morais

Documentário

https://youtu.be/4ZdvJy-MV5o?t=14679

(4:04:39)