03 Abril, Quinta-feira , 18h00

O VAGUEAR DO OLHAR

Curadoria Ana Antunes

Paysage, MARIA HELENA VIEIRA DA SILVA, 1956, Coleção de Arte Contemporânea do Estado em depósito no CACC

Obras da Coleção AA (Ana e António) dialogam com outras que integram a Coleção Telo de Morais e a Coleção de Arte Contemporânea do Município de Coimbra, bem como a Coleção de Arte Contemporânea do Estado em depósito no CACC. Lançado o desafio para encenar uma exposição que colocasse em evidência o trabalho artístico de mulheres, nela podemos encontrar diálogos improváveis ou mesmo encontros inesperados através de Pintura, Desenho, Escultura, Vídeo, Instalação e Fotografia representados por cerca de 40 obras em exibição, reunindo mais de três dezenas de autores, entre os quais Ana Vidigal, Ana Vieira, Aurélia de Sousa, Antony Gormley, Candida Höfer, Carla Filipe, Cecília Costa, Fernanda Fragateiro, Graça Pereira Coutinho, Helena Almeida, Julião Sarmento, Maria Helena Vieira da Silva, Marta Soul, Menez, Mily Possoz, Paula Rego, Patrícia Garrido, Rita McBride, Sarah Affonso e Vasco Araújo.

Museu Municipal de Coimbra — Edifício Chiado
18h00 Inauguração

Até 13 de Julho
10h00–18h00 | Terça a Sexta
10h00–13h00 e 14h00–18h00 | Sábado e Domingo
Encerra às Segundas e Feriados
Entrada livre


AA CONTEMPORARY ART COLLECTION, é uma colecção privada de arte contemporânea que começou a ser constituída na década de 1990 em Coimbra por Ana Cristina Cunha e António Albertino dos Santos. O único fio condutor que norteia a Coleção AA é a subjectividade do gosto dos seus coleccionadores, que assumem pessoalmente as escolhas. Embora a colecção se mantenha na esfera privada, é desejo dos coleccionadores tornar a sua fruição pública.

FERNANDA FRAGATEIRO, Disappearance (Black and White) 4, 2021, Aço inoxidável lacado, Coleção AA

O Vaguear do Olhar
No princípio, este expor ou mostrar, seria o confronto de obras de mulheres, de diferentes coleções, de diferentes discursividades e práticas artísticas. Criar relações, afinidades, tensões, talvez narrativas. De mulheres apenas, tanto que o feminino ainda é social e culturalmente determinado e indeterminado, sendo que a sua visibilidade institucional permanece aquém do que deveria, pelo longo tempo em que foi sonegada.

Começaram a surgir perguntas. A arte tem género? Existe uma formulação identitária da arte no feminino? As peças de arte são identificáveis pelo género do artista?

O tempo e o espaço são vividos diferentemente? Seguramente que sim, a história e a cultura impregnam- nos até ao mais ínfimo do sentir, pensar, olhar. E daí?

A nossa atenção deve abrir, alargar para a imensidão, felizmente infinita de diferenças, e não sucumbir à exclusão do outro. E foram entrando em cena expressões artísticas de homens, porque não existindo um género existirão seguramente infinitas possibilidades no vago das coisas.
Assim aconteceu “O Vaguear do Olhar”.

Por entre o espaço tempo de quem cria, transmuta, molda, procura, traça a coisa e o espaço tempo de quem vê, absorve, mergulha, há um não acabado, provocado, despoletado, vago. A narrativa da peça de arte, permanece, paira, não pára no que acaba. Volta ao princípio, no fim. Encenar uma narrativa de peças-coisas é, pois, um percurso felizmente impossível, começa antes da parede onde está poisada e quase acaba, recomeçando:* “cheguei da exposição da Menez e fiquei sentada na cama com os olhos fechados para continuar a ver”* [Sallete Tavares].

Exposição de fragmentos, de imagens em transição. De mundos plurais e complexos: “Medir-se contra o mundo” [Patrícia Garrido]; o “corpo feminino que se desvela sem nunca se desocultar “[Delfim Sardo] de Helena Almeida; “O dar voz daqueles que não têm voz” [Carla Filipe]; “Dar a ver o não-ver” [Ana Vieira] ou ”A frágil moldura contra a ausência, entre a dobra e o espaço” [Fernanda Fragateiro]. A necessidade da arte, da sua capacidade de reinventar-se englobando memória, ficção, engano, representação e realidade.

O vaguear do olhar consiste em reconhecer que nada é absolutamente indeterminado e que nada é absolutamente determinado, podemos sempre ver, perceber, dizer e interpretar de outra forma. O olhar oblíquo de Jacinto Lageira, onde o vaguear por entre, paira, desvanece-se, acontece nas obras indicando- nos o caminho a percorrer no vaguear da nossa presença nas coisas.

“Nas margens do silêncio” [André Malraux] ou “O espaço e o tempo vazios não existem, há sempre algo para ver e algo para ouvir” [John Cage].

Por entre algum “desencanto com a desmoralizante vacuidade de parte do sistema das artes” [Miguel von Hafe Pérez],ainda nos é ofertado vaguearmos por entre configurações micro- transformadoras das peças.

Amanhã, talvez, não haverá géneros mas falas diferentes e diferenciadoras no vaguear, infinitamente inacabado, do olhar.

Oxalá!